SHAME E O MARTÍRIO DO PRAZER
São poucos os filmes que conseguem retratar tão bem um período ou uma época. Shame (2011) é um filme que aborda sem pudores algumas feridas da sociedade moderna, como a solidão, o individualismo, a busca pelo prazer e os vícios que chegam a provocar vergonha. O diretor e artista plástico Steve McQueen coloca seu ator fetiche, Michael Fassbender, com o qual já havia trabalhado em Hunger (2008), em um jogo de sexo e sofrimento ao extremo.

A rotina de Brandon será transformada quando sua irmã Sissy (Carey Mulligan) decide morar com ele. Essa invasão em um território anteriormente sob seu total controle provocará sentimentos contraditórios em Brandon: a intenção de levar uma vida normal, o que envolve um relacionamento saudável, e também a vontade de expulsar Sissy e seguir com seu ciclo masoquista.

Lidar com essa obsessão acaba levando Brandon ao fundo do poço, em uma procura por sexo cada vez mais degradante. Por vezes, ele tenta atitudes esperadas socialmente, como ter um encontro que não seja com uma prostituta ou que não termine na cama. Por isso, sai para jantar com uma colega de trabalho, mas sua condição o impede de realizar tudo conforme os padrões. Não adianta, ele é um homem atormentado por demônios que o impedem do tradicional convívio. Nas cenas de sexo quase explícito, é possível observar Brandon em um misto de prazer e sofrimento.
Fassbender desnuda-se, literalmente, para encarar o complexo personagem. Uma atuação visceral que alia sensibilidade sem uma única fala com cenas de nudez frontal e de sexo não censurado. Shame não chega a ser pornográfico, já que suas sequências provocantes são de importância vital para a história. Mesmo tendo em mãos um conteúdo “quente”, o diretor McQueen realiza um filme de natureza completamente fria.
A fotografia do filme é elegante e pontua as cenas com tons de azul e branco, comprovando a falta de emoções na vida de Brandon. A trilha sonora empregada nos momentos certos transmite a tensão e o desespero desse personagem que vive sempre no limite. Até mesmo o uso de poucos diálogos contribui para que quando estes apareçam sejam altamente valorizados, principalmente em interessantes conversas entre Brandon e Sissy.

Assim como em Psicopata Americano, longa-metragem retratou o vazio da geração yuppie dos anos 1980, Shame consegue definir outra espécie de vazio na pós-modernidade, pós 2000. É o peso de um cotidiano sem amor e sem encantos que assola os dias atuais. O sexo, também presente, é visto como algo mecânico. E, mesmo com uma diferente realidade, Nova York permanece como o mesmo pano de fundo, um símbolo da solidão, intensificada de forma brilhante pela canção New York, New York, em interpretação carregada de emoção pela irmã do protagonista. Shame mostra como essa realidade pode ser um martírio.

Autor
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Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e bacharel em Jornalismo e Publicidade pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Pesquisa sobre comunicação, cinema, nostalgia e cultura pop, além de escrever críticas cinematográficas para sites, jornais e revistas. E-mail: maxcirne2@gmail.com
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