VLADIMIR CARVALHO: o protagonismo da marginalidade candanga

VLADIMIR CARVALHO: O PROTAGONISMO DA MARGINALIDADE CANDANGA

Embora o gentílico para os nascidos em Brasília seja “brasiliense”, o termo “candango” acabou por se tornar uma opção tão popular que muitas pessoas nem usam o primeiro, tornando-se uma segunda opção de adjetivo pátrio. Originalmente a palavra era usada para nomear os trabalhadores migrantes que se estabeleceram no sertão de Goiás a fim de trabalhar na construção do então novo Distrito Federal. Na maioria das vezes, vindos da região Nordeste, as famílias pretendiam uma melhoria de vida com as promessas do mito fundador de Brasília, que pregava o progresso em meio a um cenário improvável.

Vladimir Carvalho, nome importante da cena documental nacional, ascendeu com um dos nomes do Cinema Novo, participando de produções em sua região. Mas o que um estabelecido documentarista paraibano tem a ver com a história do cinema brasiliense? Muita coisa! O cineasta foi um dos pioneiros da produção audiovisual, sendo um dos fundadores do curso de cinema na UnB, fundou ainda a Associação Brasileira de Documentaristas (ADB), setor DF, em 1973, hoje chamada de Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV), além de ter continuado com sua carreira como documentarista, o que rendeu uma de suas fases mais célebres, dessa vez, trazendo não apenas a realidade do nordestino, mas realçando a força da ancestralidade nordestina no território da região Centro-Oeste.

Carvalho, traz em seus filmes dessa fase, o protagonismo até então não explorado pela ordem discursiva comum, ele desconstrói o mito do progresso pregado pelo governo de Kubitschek durante a construção monumental. Em especial, seu filme mais celebrado, Conterrâneos velhos de guerra (1991), abandona totalmente a singeleza narrativa de um sonho que nunca existiu e expõe o abuso e a exploração sofrida pelos seus pares que participaram da construção.

Em um dado momento do longa, um dos entrevistados fala sobre sua relação com a cidade, do uso exploratório da força mediante à necessidade e a crença nas falsas promessas, ao passo que nem pode usufruir  do espaço que ele construiu com suor, lágrimas e sangue, sendo renegados à periferia das cidades-satélites e ao apagamento da fala.

O cineasta, mesmo com poucos recursos revelou as vozes solitárias daqueles que sofreram uma espécie de “apagamento industrial”, calados e esquecidos aos montes. Vladimir, por sua vez, não é um salvador messiânico de São Paulo  ou do Rio que vai até lá mostrar a realidade de um povo oprimido. Ele também o é.

Seus filmes compõem um registro sincero do real retrato da solidão de migrantes que começaram a povoar a margem do Distrito Federal, com marcante caráter denunciativo, resistente e com uma forma de produção autoral e artesanal. Se há um nome no cenário documental que vale a pena ser mencionado em toda conversa sobre o assunto é o de Vladimir Carvalho. Se ainda não o conhece, saiba que está perdendo uma das vozes mais potentes do cinema nacional.

Autor

  • Breno Santana

    Graduando em Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros, nasceu em Unaí, cidade mineira próxima à Brasília. Pesquisa temas como discurso científico no ambiente digital, literatura e cinema, em especial o cinema brasiliense

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1 comentário em “VLADIMIR CARVALHO: o protagonismo da marginalidade candanga”

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