OS FABELMANS: arte vs. família
Há mais ou menos 12 anos, o pequenino William assistiu pela primeira vez um filme de Steven Spielberg: Jurassic Park. É indescritível a sensação, mas o pequeno William com certeza sabia, mesmo inconscientemente, que a partir daquele momento, o cinema faria parte da vida dele para sempre. Desde então, Steven Spielberg tem sido o artista que conquistou não só a minha mente e a minha imaginação, mas também o meu coração.
Em seu novo filme, Spielberg explora as raízes de sua mágica cinematografia por meio de uma família fictícia: Os Fablemans, fortemente inspirada em sua própria. O longa gira em torno de um personagem baseado no próprio diretor, um jovem apaixonado por cinema, Sammy Fabelman. É impossível um estudante de cinema, ou qualquer pessoa que sonha em trabalhar na área, não olhar para Sammy e dizer: “ele é igual a mim!”.
Em paralelo direto com a vida de Spielberg, Sammy é filho de um engenheiro da computação e de uma pianista. Spielberg estabelece o conflito entre uma visão artística e uma visão científica logo no início do filme, quando os pais de Sammy o levam ao cinema; seu pai explica os filmes cientificamente como imagens que o cérebro processa em conjunto, e sua mãe os descreve os como “sonhos que você nunca esquece” (convenhamos que nesse caso, sua mãe está muito mais correta). A partir daí, o filme retrata o início do interesse de Sammy pelo cinema e seus primeiros passos como jovem cineasta, mostrando o crescimento de sua própria compreensão do poder do cinema e da importância que ele tem não só em sua vida, mas também na vida das pessoas ao seu redor, mesmo que elas próprias não percebam.
Analisando os ditos “Fabelmans”, por sua vez: Burt, o pai de Sammy, é um pensador lógico. Sempre que surge a questão da emoção, ele permanece fiel à lógica da situação. Mesmo ao ver o profundo interesse de Sammy em fazer filmes, ele sempre se refere a isso como seu hobby. Desde sua infância, ele impõe a ideia de utilidade sobre a criatividade artística para ele, se encaixando no arquétipo parental de pais que tentam desmerecer os interesses e aspirações de seus filhos. Já Mitzi, por outro lado, chega até a sobrepor a arte em cima da família. O relacionamento de Mitzi com a arte é mais intenso do que o de Sammy; tanto que ele parece até mesmo caprichoso e egoísta em certos momentos. Já o pai de Sammy tem a compreensão mais saudável do equilíbrio entre paixão e família, ou apenas aparenta ter.
“Os Fabelmans” explora como família e arte existem, se interligam e se correlacionam, e isto é perfeitamente demonstrado em uma das cenas cruciais do filme: Sammy está no meio de descobrir uma verdade comprometedora sobre sua família através da filmagem que ele fez durante um acampamento em família, enquanto Burt, está sentado no sofá da sala ouvindo desatentamente sua esposa, Mitzi, tocando piano. Apesar de simples, como descrita, esta cena está completamente centrada na relação entre família vs. arte.
Sammy está mergulhado no mundo do cinema, sendo este a lente pela qual ele vê o mundo e, justamente por essa razão, ele descobre o segredo da família não no acampamento em si, mas sim ao ver as filmagens. Ao longo da cena, a câmera corta entre Sammy, Mitzi e Burt como mais uma demonstração da tensão entre os membros da família e a lente pela qual nós, o público, vemos essa família: a referida câmera. Nesta breve sequência de três minutos, Spielberg leva ao pé da letra a frase: não me diga, me mostre. O público consegue ser capaz de compreender a mensagem e a intenção do cineasta por meio dessa sequência, mesmo que ela ocorra sem nenhum diálogo.
Mas além de Mitzi e Burt, uma interessante figura familiar de “Os Fabelmans” é o Tio Bóris, interpretado por Jude Hirsch. Boris é o tio de Mitzi, que faz uma visita repentina, onde ele revela ter trabalhado na indústria cinematográfica por anos, o que faz com que Sammy se interesse por ele. Seu interessante monólogo sobre arte vs. família vai ressoar não só com os que sonham em fazer cinema, mas com qualquer artista.
A partir deste monólogo, é perceptível como a arte, no caso, os filmes eram para Sammy uma fonte de pura alegria e encantamento. Desde o momento em que assistiu a um acidente de trem em grande escala, ele quis recriar aquela magia por conta própria, sem perceber. Durante o longa, enquanto ele continua trabalhando para aprender novas técnicas, é na noite do baile que ele percebe especificamente como funciona a comunicação em relação ao cinema. Vendo a reação arrebatadora de seus colegas de classe, ele fica animado. No entanto, são as reações minimamente estranhas de Logan e Chad que mostram a ele como suas ideias foram comunicadas. Os filmes são uma fonte de comunicação, mas não é apenas sobre o que um artista quer comunicar, mas também sobre o que o público pode receber dele.
Esta cena também gera um questionamento no próprio Sammy: Porque ele retratou um de seus colegas de maneira tão heróica e quase atraente? Poderia ser uma maneira sutil, mas interessante de mostrar uma bissexualidade inconsciente em Sammy? Totalmente plausível, visto que o co-escritor do longa, Tony Kushner, é assumidamente LGBT. E essa dubiedade demonstra como o cinema pode também, se comunicar com múltiplos grupos em diferentes ângulos e visões, mesmo não sendo este o objetivo primordial do diretor.
Em Os Fabelmans, Spielberg analisou sua própria vida e as principais memórias que o transformaram em um dos cineastas mais influentes de todos os tempos. Ele demonstrou sua capacidade de se conectar com o público e fazer a arte que encanta, que diverte, que emociona, e que acima de tudo: vive para sempre.
Autor
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William Juliano de Almeida, 22 anos, reside em Aparecida de Goiânia, Goiás. Estudante de Cinema e Audiovisual na UEG. Apaixonado por cinema desde criança, foi vencedor do Concurso de roteiro Kino Script. Já atuou como roteirista e diretor em projetos universitários e escreve críticas de cinema para a Internet no seu canal do YouTube.
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