Ainda Estou Aqui (2024) no Google Trends: Se ver e Ser visto
AINDA
No sábado, dia 26 de abril de 2025, em um evento na Cinemateca de Curitiba, fui assistir meu amigo Giovanni Comodo ministrar uma vmini aula sobre o cinema brasileiro da década de 1970. Em sua fala fui capturado por um momento no qual ele disse que assistir filmes brasileiros é olhar para si, um espelho no qual nós enquanto identidade brasileira nos encaramos e pensamos sobre o que vemos.
Isso me deixou reflexivo para elaboração deste texto, cuja ideia e dados foram reunidos para minha participação na live “Ainda estou aqui como media event e perspectivas do cinema nacional”, realizada em 23 de abril de 2025 e organizada pelos grupos de pesquisa Telas (PPGCOM-UTP) e NEFICS – Núcleo de Estudos de Ficção Seriada e Audiovisualidades (PPGCOM-UFPR), do qual faço parte.
O que fiz foi pesquisar no Google Trends sobre o termo “Ainda Estou Aqui”. A Inteligência Artificial da plataforma auxiliou nesse processo e refinou os resultados de busca, direcionando-as apenas para as referentes ao filme, o que evitou a possibilidade de falsos positivos nas métricas.
Entre os resultados analisados estão diversas possibilidades para pensarmos quais momentos da trajetória desse filme enquanto um media event atraíram a atenção do brasileiro e o incentivaram a buscar saber mais sobre esse longa que se tornou um marco do cinema nacional. Esse destaque se deve tanto aos números de público e bilheteria impressionantes (mais de 5,8 milhões de espectadores no Brasil e mais de R$200 milhões em bilheteria), quanto às premiações históricas (como o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme Dramático para Fernanda Torres e o Oscar de Melhor Filme Internacional).
ESTOU
Quando olhamos para a tabela de Interesse ao Longo do Tempo do Google Trends, notamos que o primeiro pico de pesquisas pelo filme Ainda Estou Aqui (2024) ocorreu na semana entre os dias 21 e 27 de julho de 2024 (escala 2 de 100).
Este intervalo de encontro com o anúncio da Estreia Mundial da obra, com a seleção do filme para disputa de diversas categorias de prêmios no Festival de Veneza, inclusive concorrendo ao Leão de Ouro de Veneza. Veículos da grande mídia, como o G1 e o Estadão, além de portais especializados em cinema, arte e cultura pop, como o TELA VIVA News e o Tracklist, noticiaram o acontecimento na mídia brasileira.
O segundo pico de interesse nas pesquisas no Google se deu na semana entre os dias 1 e 7 de setembro, quando a escala atingida foi 18 de 100 na escala histórica.
Essa semana foi marcada por dois acontecimentos na vida pública do filme no que diz respeito à sua participação no circuito artístico e mercadológico. Primeiro, o lançamento do primeiro trailer oficial de Ainda Estou Aqui, noticiado por veículos como a CNN Brasil e o portal do Ingresso.com; Segundo, a informação do filme ter sido ovacionado pelo público no Festival de Veneza, coroado pela vitória do cinema brasileiro na categoria de Melhor Roteiro, como fez questão de destacar o GShow.
A título de curiosidade, foi vendo um post da Folha de São Paulo sobre o filme ser ovacionado em Veneza que fiquei sabendo da existência dele.
O terceiro pico de interesse foi na semana entre os dias 10 e 16 de novembro de 2024. O motivo para a maior taxa na escala de pesquisas até o momento (45 de 100),é completamente justificável quando revelado o motivo: o lançamento do filme no Brasil, no dia 7 de novembro.
O sucesso foi notável: R$8,6 milhões e levando 358 mil pessoas às salas de cinema pelo país no seu primeiro final de semana, como informado pelo G1 no dia 11 de novembro de 2025. Pesquisas por informações sobre o filme, sessões de cinema, críticas e outros interesses do público são alguns dos principais fatores que contribuem para esse expressivo volume de buscas.
Cabe destacar que o mesmo volume de buscas se manteve na semana seguinte (17 a 23 de novembro de 2024).
Após um período de diminuição no volume de pesquisas que se seguiu durante todo o mês de dezembro (lembrando, sazonalmente é a época do ano acompanhada de festas, feriados, aumento do número de viagens e férias da população brasileira), um novo recorde de pesquisas foi estabelecido logo no início de janeiro de 2025, mais especificamente na semana entre os dias 5 e 11 daquele mês (escala 71 de 100).
Os dados recordes são reveladores pois sua contagem no Google Trends se inicia no domingo, dia 5, dia da cerimônia do Globo de Ouro 2025, no qual Ainda Estou Aqui concorria em Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz em Filme Dramático (Fernanda Torres). Historicamente, o longa venceu na segunda categoria, sendo a primeira vez que uma brasileira ou brasileiro vencia o Globo de Ouro em qualquer categoria de atuação.
A cerimônia e a torcida pela premiação justificam o aumento de interesse do público brasileiro, e a vitória de Fernanda Torres impulsionou as buscas ao longo da semana.
Após o intervalo de uma semana de queda, um novo pico é detectável na tabela. Apesar de não ser um novo recorde de buscar, a escala 42 de 100 na semana entre os dias 19 e 25 de janeiro de 2025 aponta outro acontecimento que despertou a atenção dos brasileiros: o anúncio oficial dos indicados ao Oscar 2025, com Ainda Estou Aqui sendo nomeado a concorrer em três categorias: Melhor Atriz (Fernanda Torres), Melhor Filme Internacional, e o prêmio máximo, Melhor Filme.
Por fim, atingimos o pico máximo de interesse sobre Ainda Estou Aqui, quando a escala 100 de 100 referente as buscas pela obra aconteceu entre os dias 2 e 9 de março de 2025.
O motivo novamente se revela já no domingo, dia 2, com a realização da 97ª cerimônia de entrega dos Academy Awards, ou Oscars 2025. O interesse pela cobertura do evento, que culminou na conquista do primeiro Oscar oficialmente brasileiro na categoria de Melhor Filme Internacional, e os desdobramentos midiáticos da cobertura do prêmio levam a um agendamento de Ainda Estou Aqui como pauta constante, somado a movimentação do público de participar desse media event, tanto na torcida quanto pela comemoração. A mescla de coordenação e organicidade do filme enquanto evento.
AQUI
Algumas considerações que podemos levantar com base nos picos de interesse e buscas pelo filme Ainda Estou Aqui (2024), através de uma filtragem dos acontecimentos que coincidiram com esses aumentos consideráveis, nos mostram que o interesse do público brasileiro acompanhou o noticiamento do longa dentro do circuito artístico, bem como a repercussão de críticas positivas em festivais, as indicações em festivais e premiações de grande renome e as conquistas de grandes prêmios (sobretudo nos casos do prêmio de Melhor Roteiro em Veneza; Melhor Atriz de Filme Dramático no Globo de Ouro; e Melhor Filme Internacional no Oscar).
Com isso, destaca-se o grande volume de interesse no acompanhamento dos dois principais prêmios da indústria cinematográfica (Globo de Ouro – que fica próximo do fim do circuito de prêmios e festivais – e Oscar – que praticamente encerra a temporada de premiações) por parte do público, seja para buscar atualizações e transmissões dos eventos e torcer pelo filme nas categorias que concorria. Com isso, tanto no pré, durante e no pós premiações, configurou-se todo um movimento de cultura participativa, de desenvolvimento de memes, discussões, debates e piadas que acompanharam esse media event.
Outros dois momentos que valem a menção, nos quais foi notado aumento de interesse pelo filme: o lançamento do Trailer do filme (mesma semana em que foi ovacionado no Festival de Veneza – início de setembro) e o lançamento do filme no Brasil (7 de novembro).
Essas observações me levaram ao maior ponto de discussão a respeito dessa narrativa: como a cobertura do circuito artístico por parte da grande mídia e de veículos de comunicação especializados em cinema e cultura continua influente na divulgação e fomentação de um media event. Quando ouvimos declarações, até certo ponto válidas, como “quem liga para Oscar hoje em dia?”, “ninguém se importa com os grandes festivais de cinema”, talvez devêssemos olhar para o espelho.
Desde o chamado “cinema de retomada” brasileiro, cujo início foi marcado pelo lançamento de Terra Estrangeira (1995), dirigido pelo agora vencedor do Oscar, Walter Salles, o brasileiro não necessariamente tem gostado do cinema nacional, ou se sentido incentivado a ir às salas escuras ver produções brasileiras. Contudo, exemplos recentes demonstram a importância do circuito artístico cinematográfico clássico na injeção de ânimos para que o público vá prestigiar obras de seus conterrâneos. Claro, circuito esse nunca falando por si só, sozinho, sendo acompanhado pela cobertura da imprensa.
Deserto Particular (2021) ganhou destaque ao vencer a Graffetta d’Oro de Melhor Filme no Festival de Veneza e ser o pré-indicado brasileiro ao Oscar; Bacurau (2019) obteve atenção nacional ao vencer o Prêmio do Júri no Festival de Cannes; Aquarius (2016) foi o foco de atenção de notícias quando a equipe da produção protestou contra o impeachment de Dilma Rousseff em Cannes; O Menino e o Mundo (2013) foi amplamente divulgado e comentado na mídia por ter sido indicado ao Oscar de Melhor Animação; e um exemplo pessoal: me recordo de quando era criança e vi notícias exaltando Tropa de Elite (2007) por ter vencido o Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim.
Voltando para o início deste curto estudo-ensaio, quando Giovanni disse para usarmos o cinema nacional como um espelho, para consumirmos os filmes brasileiros como maneira de refletirmos sobre o Brasil, entendo como um convite à reflexão pela própria imagem: nunca cópia exata do que é, mas agraciada pelas distorções próprias da projeção da luz e dos limites da razão e dos sentidos. Notamos que a falta de interesse próprio do brasileiro sobre seu cinema pode ser estimulado pelos aplausos do estrangeiro, o reconhecimento egóico e simultaneamente compartilhado coletivamente, ufanista pela expectativa de um membro da sua comunidade (que se torna também seu representante) conquistar algo por ele, mas mais importante, por ti e pelos outros que compõem esse social.
O brasileiro não necessariamente gosta de se ver, mas ama ser visto. Quando alguém te elogia, você vira o rosto e se olha no espelho para checar sua aparência.
Autor
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Doutorando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (PPGCOM-UFPR), vinculado à linha de pesquisa Comunicação e Cultura; Mestre em Comunicação (PPGCOM-UFPR); Bacharel em Publicidade Propaganda (UFPR). Integrante do NEFICS - Núcleo de Estudos de Ficção Seriada e Audiovisualidades (UFPR/PPGCOM-UFPR/CNPq). Sócio da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (SOCINE). Bolsista CAPES-DS. Escritor, Roteirista e Redator. Autor da coletânea de contos "O Insosso e o Insólito entre os Pinheirais". Escritor da Revista Película (ISSN: 3085-6183). Pesquisador nas áreas de: Comunicação; Cinema; Cultura; Narrativas Audiovisuais; Narrativas Midiáticas e Comunicação Política.
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