Saint Maud (2019) – o isolamento e a religião em uma mente decadente

SAINT MAUD (2019) – O ISOLAMENTO E A RELIGIÃO EM UMA MENTE DECADENTE

Religião, somada a mente em decadência, é um plano de fundo batido para o terror, mas existem nuances interessantes que podem ser usadas como provocação para o público, e algumas delas são exploradas em Saint Maud, o primeiro longa-metragem da diretora Rose Glass de 2019.

O filme nos convida para mergulhar na mente de Maud, uma jovem enfermeira que assume os cuidados de Amanda, uma ex-dançarina com a saúde debilitada. Desde o início, a solidão permeia a vida de ambas as personagens. Amanda vive isolada num casarão e a saúde dela se esvai entre os cômodos vazios e o silêncio, que são interrompidos, às vezes, apenas por visitas ocasionais, enquanto Maud fica reclusa, numa modesta quitinete, buscando um tipo de refúgio nos devaneios e entre orações.

A narrativa de Maud inicia como uma confissão rotineira, se transforma em um diálogo angustiante, revelando suas dores e traumas. O isolamento, inclusive, pode ser uma resposta a um trauma, o que é acentuado pelos flashbacks e a presença de uma antiga colega de trabalho. A relação entre Maud e Amanda se torna cada vez mais intensa, mas a obsessão que a Maud tem por ela, a leva a interferir na vida de Amanda, buscando afastar até mesmo o seu interesse amoroso. Quando Amanda descobre, há uma inversão proposital na relação que revela algumas fragilidades de Maud. Em uma posição de subjugação, a instabilidade psicológica de Maud aumenta.

Essa mistura subversiva de emoções coloca em xeque também a sua moral, sua fé se torna ainda mais fervorosa e o autoflagelo se manifesta como um caminho para  a santidade, uma busca por respostas através do sofrimento. Essa crença distorcida da realidade adiciona camadas de fantasia e a atmosfera perturbadora ao filme. Existe um cuidado na forma como o fanatismo é apresentado. Ele não é meramente um motor para a história, mas uma resposta à solidão que aflige Maud, e é construída de maneira interessante além do roteiro, com a trilha sonora e a estética do filme.

O desenho de som provoca tensão, ele cria uma constante sensação de perigo iminente, mesmo na ausência de ameaças explícitas. As sombras predominam no casarão de Amanda e elas contrastam com a atmosfera na casa de Maud, onde tons quentes refletem o seu fervor religioso e também causam em nós um certo estranhamento, um possível desconforto. A câmera inquieta acompanha a mente em declínio de Maud, enquanto a arquitetura da cidade costeira a oprime e simboliza o seu deslocamento da realidade. Essa construção visual contribui para a imersão do espectador na psique da protagonista.

Apesar de algumas linhas de diálogo parecerem forçar certos resultados — como a ruptura entre Maud e Amanda, que é de certa forma destoante —, Glass consegue entregar uma estreia interessante. Saint Maud é um filme inteligente, que não se faz totalmente do horror e demora um pouco para começar a entregar a tensão, mas, quando acontece, temos certeza que tomou o caminho certo. O elenco, apesar de algumas figuras que não são nada interessantes, conseguem entregar bons personagens e a cidade costeira, assim como as escolhas estéticas foram pontuais e definitivas para equilibrar o filme.

 

 

Autor

  • Washington Albuquerque

    Mestrando em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV/UNESPAR), pós-graduado em História da Arte (ESTÁCIO DE SÁ), bacharel em Publicidade e Propaganda (UNICURITIBA). Bolsista CAPES-DS. Designer multidisciplinar e filmmaker no Masdon Studio. Game designer na Odd Press.

    Ver todos os posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *