FAÇA ELA VOLTAR (2025) – MAGIA E A ECONOMIA DE CONTROLE DA VIDA-MORTE

FAÇA ELA VOLTAR (2025) – MAGIA E A ECONOMIA DE CONTROLE DA VIDA-MORTE

Tive o prazer de ser convidado para escrever esta curta crítica do lançamento Faça Ela Voltar (2025). Outro prazer foi poder assistir ao filme no Cine Guarani, parte integrante do complexo do MUMA (Museu Municipal de Arte), em Curitiba-PR.

Faça Ela Voltar nos permite revelar uma constelação de obviedades. Enquanto conteúdo factual e superficial, a história dos recém-órfãos Piper e Andy com sua nova tutora, Laura, nos mostra a dificuldade de aceitar o luto. A morte, como já escrevi em outra crítica para a PELÍCULA, só é sentida pelos vivos. E o terror, enquanto operacionalização e delimitação da compreensão do humano a respeito de suas ansiedades e inervações por incompreensões, mostra a possibilidade de se apreender e dialogar com o conceito da morte a partir de como a sentimos: a perda daqueles que estão ao nosso redor – o luto.

Animais empalhados, corpos congelados no freezer. A morte modifica o orgânico; além da deterioração, putrefaz. Porém, o corpo morto, o cadáver, perde suas características de corpo para as de objeto, a ser preservado e manipulado com o fim de despedida dos vivos e para transitar no período inicial do luto. Laura mostra como a morte transforma a pessoa em objeto, assim como o próprio animal empalhado interrompe o ciclo de consumo natural do finito processo orgânico: a decomposição.

Somos jogados entre o que aconteceu antes e o presente. As vidas que se foram, as marcas que deixaram, a influência dos mortos no mundo dos vivos. Cathy e a ansiedade de sua mãe. Piper e Andy e o desamparo da perda de um lar.

O pai de Piper e Andy marca o processo usual do luto. Corpo enterrado, retorna em delírios, sonhos, alucinações. Rijo, pobre, parcialmente consumido. A morte é uma moral; o trauma justifica o deixar morrer. E para quem não merecia, como Cathy, pode parecer justificável tentar aproveitar-se de outra criança para reviver uma inocente.

A magia se torna necessária. Magia é uma forma antiga de a humanidade tentar compreender, apreender e controlar o natural. Novamente, envolve moralizar a natureza de alguma maneira, decidir por ela o que seria um “bom” uso – amor é a palavra-chave, gnóstica, que vale por si. Como sempre, toda metafísica ou supranaturalismo envolve a moral humana ser alocada a uma articulação procedural e processual dos elementos naturais. Não existe essa de mensageiro natural de coisas naturais.

Manipulação é, assim, um termo-chave para o entendimento da magia enquanto apropriação dos acontecimentos imprevisíveis ou não das forças mecânicas e orgânicas do universo. Laura, enquanto terapeuta e mãe em negação do luto, compreende como a manipulação do sensível coopta para seus planos. Velórios, beijos, traumas: trazer o submerso à superfície revela.

Círculos, tatuagens de alquimia, massagens e deslizes. A magia é uma concatenação de processos nos quais a ordem dos fatores altera o produto. Complementação e intensificação de uma força ou vontade. Cabelos cortados, travesseiro com cheiro, quartos intocados aguardando retorno. Tudo direcionado para uma função. Andy é o empecilho, preso em um meio-termo de impotência: mija nas calças, infante, e quase maioridade; quer a guarda de Piper. Bebe por seu pai morto.

O dispositivo do luto vivido ou não por esses extremos nos revela conteúdos curiosos. Laura é a magia, o controle, o procedural, o ritual-receita, injustiçada. Andy, o recalque, o sofrer calado, assistir em silêncio o ir e vir da vida, plano em silêncio. Se, por um lado, Laura usa vídeos-tutoriais para controlar o infinito, Andy revela a vida com todas as suas feridas internas, que se mostram apenas como hematomas leves sob a pele. A dimensão da vítima também revela uma polarização: Cathy, a consumação da morte e a falha no cuidado-amor por parte da mãe; Piper, o alvo a ser protegido, vítima de uma economia ritualística – uma vida por uma vida –, cujo irmão mais velho deve zelar.

Morrer é o acontecimento: o afogar-se, o ser atropelado, a violência que expulsa a vida com o ar dos pulmões. O sangue. A verdadeira tortura é indefinida: Oliver. Como uma aparente mescla de alquimia e ritos abraâmicos, imputar um anjo e deixá-lo sedento.

A vida é respaldada pela renovação do calor. Energia em busca de energia. Potência em busca de potência. Em todos os sentidos: fome. Consumir para renovar, nutrir, para crescer. Fome é a forma basilar de preservação da vida.

O mérito do filme não está em sua elaboração factual, nem em seu comentário sobre o luto, mas sim na personalização da magia como mesquinharia moralizante de traumas familiares e a não aceitação da morte daqueles que amamos: querer preservar para si, possuir o direito à vida de outrem, apropriar-se do corpo falecido como posse. Contribui para a eterna formulação de dominar a natureza, registrar, repassar, culturalizar os fenômenos naturais, querendo administrá-los para prever, reverter etc. Como ver vídeos-tutoriais em VHS: a interferência do meio para registrar e credibilizar.

A proposta não é lutar, mas vencer a morte. Seguir a receita, assistir a mais do tutorial se precisar, arrumar a casa a tempo, controlar a fome, até a hora de fazer devorar. Perder pode nos libertar ou enclausurar. A dor é uma constante, mas a negação da dor leva ao desejo por controle.

Talvez não seja uma grande obra, nem mesmo memorável, mas propõe uma discussão em segundo plano (onde funcionaria o simbólico operacionalizado) muito mais interessante que seu debate sobre o luto (seu conteúdo factual). Outra questão a destacar é como o filme realiza um “tiroteio de Tchekov”, apresentando elementos, dicas, objetos, coisas que serão usadas adiante – tudo possui função –, o que pode ser exaustivo, pois o filme gera uma didática repetitiva que anula suas próprias tentativas de jogadas de ansiedade e controle da situação. O espectador não se sente “usado” pelo cinema, mas apenas vê o cinema usando-se a si mesmo.

O ritmo frenético e os cortes rápidos também arrefecem qualquer engajamento mais refinado do espectador, seja com os personagens (que são funcionais), com situações ou angústias. A direção e a montagem parecem mais preocupadas em se adequar a um público acostumado aos vídeos curtos verticais, e tentam realizar uma síntese entre cinema e TikTok. A tentativa é facilmente perceptível tecnicamente, mas sacrifica qualquer envolvimento sentimental-emocional. Torna até difícil uma crítica mais ensaística, que requer um envolvimento que te jogue e faça fluir um ritmo.

Há exceções, obviamente: a cena da faca ilustra um incômodo gritante. O filme funciona melhor quando não se preocupa em ser uma articulação mais elaborada; seu simples funciona. Mas tentar correr uma maratona só parece combinar com a trama por se passar ao longo de poucos dias. De resto, sobra um filme com nítido domínio técnico, que peca pelo excesso em querer guiar pelo envolvimento acelerado articulado por essas ferramentas, em vez de envolver com sussurros, promessas e seduções mais sutis e refinadas.

No final, o resultado é tão instrumental que é bruto, óbvio; o que revela é o que está. Em virtude disso, o operacionalizado para sustentar sua superfície nos apresenta mais que o usual.

 

Autor

  • Victor Finkler Lachowski

    Doutorando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (PPGCOM-UFPR), vinculado à linha de pesquisa Comunicação e Cultura; Mestre em Comunicação (PPGCOM-UFPR); Bacharel em Publicidade Propaganda (UFPR). Integrante do NEFICS - Núcleo de Estudos de Ficção Seriada e Audiovisualidades (UFPR/PPGCOM-UFPR/CNPq). Sócio da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (SOCINE). Bolsista CAPES-DS. Escritor, Roteirista e Redator. Autor da coletânea de contos "O Insosso e o Insólito entre os Pinheirais". Escritor da Revista Película (ISSN: 3085-6183). Pesquisador nas áreas de: Comunicação; Cinema; Cultura; Narrativas Audiovisuais; Narrativas Midiáticas e Comunicação Política.

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