CAIS (2025) – O TEMPO É TUDO, O TEMPO É

CAIS (2025) – O TEMPO É TUDO, O TEMPO É

“O Tempo é o Senhor da existência”, declara um dos antigos, um dos personagens que ensina dúvidas à Safira Moreira sobre o que é a vida, a morte, o amor, o que foi, o que se é, e o que será. “Cais” (2025), segundo a própria diretora, após a sessão de exibição no 14º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, “gera mais perguntas que respostas”. Se a falta de arquivos e registros de sua família, de sua avó, a memória da ausência, a motivou no início do projeto, em 2018, o adoecimento e falecimento de sua mãe transformaram completamente o que seria o documentário.

Safira, meses após a ida de sua mãe, saiu pelo mundo buscando se entender nele, buscando novas fontes de água (o que nutre). O filme a colocou na vida novamente, no pensar no futuro, em seu filho, a metade cheia e metade vazia do luto e do continuar. Cais, enquanto conceito e função, resume essa ambipotência: local para o qual se busca segurança em meio à tempestade e do qual devemos partir para desbravar o desconhecido.

O filme é sua trajetória, essa organicidade que se funde às transmutações de sua vida. A manufatura da mandioca para fazer farinha, o metal sendo moldado de maneira artesanal, os modos de fazer vida, buscar vitalidade, alimentar e significar. Trabalho atravessado pela vida, família, afeto, cuidado, o sentido para o trabalho. A busca é olhar para o que existia em sua vida e verdadeiramente enxergar, e expandir para o desconhecido, entender o que das dimensões apreensíveis e não apreensíveis da existência se é possível, uma dialética. A dimensão estética-criativa como algo da dimensão do desconhecido, à qual a morte pertence, a matéria-escura, que oferece outras figurações e caminhos, como exposto na cosmologia Kongo.

A volta da Mãe para as águas, retorno à Iemanjá, ancestralidade como morte na vida e vida na morte. Matéria para o resultado final do documentário. Uma abordagem das tradições baianas, sua comida, quem fazia o vatapá, como, seu sincretismo religioso, os mitos de Paraguaçu, o mangue tem dono, mato tem dono, São Francisco, Cosme e Damião, Santa Bárbara e Ogum de Ronda. Os causos passados de geração para geração. Cultura é história e ancestralidade, é tempo, passado, presente e futuro, comida e crença. “Tudo está envolvido numa coisa só”.

Se preserva, se alimenta, a gravidez de Safira e seu filho. Navegam pelo rio. Amamenta, nutre. Tempo é o senhor da existência. Mais intimidade com o tempo, com a natureza, com a vida, temos que nos preservar, pois nós somos o meio ambiente. A natureza balança seus galhos com o vento, se enterra nas profundezas com erosões de milhões de anos, voa em grãos de areia pelo deserto, brinca na rua. O tempo moldou todas as formas, forças e espaços. A calma das presenças dos personagens, se demorar em suas palavras e gestos, olhar.

Se navega com a vida pelo rio do tempo, ou se navega com o tempo pelo rio da vida? Se Safira se preocupa em formular perguntas, seu maior aprendizado é o de que não há necessidade de ensinar, mas de abertura para se dispor a aprender.

 

Autor

  • Victor Finkler Lachowski

    Doutorando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (PPGCOM-UFPR), vinculado à linha de pesquisa Comunicação e Cultura; Mestre em Comunicação (PPGCOM-UFPR); Bacharel em Publicidade Propaganda (UFPR). Integrante do NEFICS - Núcleo de Estudos de Ficção Seriada e Audiovisualidades (UFPR/PPGCOM-UFPR/CNPq). Sócio da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (SOCINE). Bolsista CAPES-DS. Escritor, Roteirista e Redator. Autor da coletânea de contos "O Insosso e o Insólito entre os Pinheirais". Escritor da Revista Película (ISSN: 3085-6183). Pesquisador nas áreas de: Comunicação; Cinema; Cultura; Narrativas Audiovisuais; Narrativas Midiáticas e Comunicação Política.

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